O pós-modernismo à luz da Bíblia
Introdução
Em João 18.37-38, Jesus está diante de Pôncios Pilatos, com a plena consciência de que está prestes a ser condenado à morte. Nesta circunstância, Jesus afirma que “...quem é da verdade…” ouve a Sua voz. A pergunta retórica presunçosa de Pilatos - “...o que é a verdade?”, reflete um pouco da sua noção de verdade e também da noção de verdade da cultura dos nossos dias.
O modernismo
O modernismo é um movimento literário e artístico que começou no final do século XIX e se afastou das anteriores formas tradicionais e clássicas de arte e literatura. É um movimento global onde os criativos produziram radicalmente novas imagens, meios e formas para melhor retratar a vida moderna. O movimento não foi abraçado apenas pela literatura, mas também pela arte, música, arquitetura e outros campos do pensamento. Surgiu após a desilusão com o Iluminismo, que acreditava que com o avanço tecnológico, os problemas do homem seriam resolvidos, e a razão e ciência iriam fazer prosperar o ser humano. Contudo, com a Primeira Guerra Mundial, onde muito do avanço tecnológico foi utilizado para causar sofrimento, a esperança de que a tecnologia iria salvar a humanidade caiu por terra, e surgiu uma grande onda de questionamento dos moldes sociais, levando ao Modernismo.
O ceticismo religioso e o ateísmo são marcas do modernismo. Sigmund Freud, que falou dos impulsos da mente inconsciente; e Friedrich Nietzsche, que acreditava que a “vontade de poder” humana era importante na evolução do homem, foram influentes na ascensão do modernismo, e as suas ideias ainda hoje ajudam a moldar a cultura.
“Quando num domingo de manhã ouvimos o toque dos sinos, perguntamo-nos: é possível! Isto acontece por causa de um judeu crucificado há 2.000 anos que disse ser filho de Deus. Falta a prova de tal afirmação. No contexto da nossa época, a religião cristã é certamente uma peça da antiguidade que se intromete de eras distantes do passado, e que se acredita que a afirmação acima mencionada seja talvez a peça mais antiga da herança…. Pode-se acreditar que ainda se acredita em coisas desse tipo?”
“Humano, demasiado humano”, Nietzsche (1878)
Contudo, é no seio do Modernismo que surge a força da ideologia. Ou seja, metanarrativas artificiais que explicam a experiência humana através de paradigmas e doutrinas. É o tempo do comunismo, do fascismo, do anarquismo e de muitos outros ismos mais ou menos relevantes que tentam explicar a existência humana e em cima dos quais se procura dirigir nações.
O pós-modernismo
O pós-modernismo, na filosofia ocidental, um movimento do final do século XX caracterizado por um amplo ceticismo, subjetivismo ou relativismo; uma suspeita geral da razão; e uma sensibilidade ao papel da ideologia na afirmação e manutenção do poder político e económico. Lyotard afirma que o pensamento pós-moderno "é a incredulidade em relação às metanarrativas. Esta é, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências, mas este progresso pressupõe-na"
(Jean François Lyotard, 1989, p.12).
Entre muitos dos pressupostos filosóficos até então, há duas das grande negações do pensamento pós-moderno:
1. Negar a existência de uma realidade natural objectiva, uma realidade cuja existência e propriedades são logicamente independentes dos seres humanos – das suas mentes, das suas sociedades, das suas práticas sociais ou das suas técnicas de investigação. Os pós-modernistas rejeitam esta ideia como uma espécie de realismo ingénuo. A realidade tal como existe, de acordo com o pensamento pós-moderno, é uma construção conceitual, um artefato da prática científica e da linguagem. Este ponto também se aplica à investigação de acontecimentos passados por historiadores e à descrição de instituições, estruturas ou práticas sociais por cientistas sociais.
2. A razão e a lógica são universalmente válidas – isto é, as suas leis são as mesmas ou aplicam-se igualmente a qualquer pensador e qualquer domínio do conhecimento. Para os pós-modernistas, a razão e a lógica também são meramente construções conceituais e, portanto, válidas apenas dentro das tradições intelectuais estabelecidas nas quais são utilizadas.
Um dos termos-chave do pensamento pós-moderno é a desconstrução. Cunhada por Jacques Derrida, é uma ideia que veio sobretudo procurar abalar o pensamento metafísico ocidental. Num livro escrito por Jacques Derrida e Elizabeth Roudinesco, ele afirma:
“...consiste em desfazer, sem nunca destruir, um sistema de pensamento hegemônico e dominante. Desconstruir é de certo modo resistir à tirania do Um, do logos, da metafísica (ocidental)...
E importante notar que o pós-modernismo surge sobretudo como um movimento literário, isto é, uma abordagem à interpretação literária que vem desafiar as regras tradicionais da literatura.
É um movimento que, acima de tudo, procura estabelecer a importância da experiência individual subjectiva em vez de procurar uma verdade única, absoluta e universal.
A análise dos resultados do American Worldview Inventory 2021, uma amostra representativa de 2.000 adultos norte-americanos do Centro de Pesquisa Cultural da Arizona Christian University, mostra que 54% dos participantes da pesquisa abraçam a ideia pós-moderna de que toda verdade é subjetiva e não há moral absolutos. Numa carta em 2013, o Papa Francisco escreve ao jornalista Eugenio Scalfari, que dizia não crer nem querer buscar a Deus, dizendo que "Deus perdoa a quem obedece a sua própria consciência".
Influências do pós-modernismo no cristianismo (retirado do artigo do TGC https://www.thegospelcoalition.org/essay/postmodern-theology/)
O Cristianismo bíblico, como religião canônica, axiomática e confessional, entre em óbvio choque com o movimento pós-moderno. Vejamos algumas influências negativas que o pensamento pós-moderno tem infiltrado a Igreja.
A doutrina das Escrituras
O pós-modernismo teológico, contudo, expressa um profundo ceticismo em relação à inspiração das Escrituras e às suas implicações. Além disso, os teólogos pós-modernos observam que os intérpretes culturalmente condicionados, carregados de pressupostos e preconceitos, não conseguem interpretar os textos objetivamente. Como cada texto contém camadas de significado e nenhuma realidade única, eles alertam que a tarefa hermenêutica exige humildade epistêmica. Além disso, eles aconselham os leitores a buscar insights espirituais nos textos, e não a verdade objetiva. A fim de lucrar com as narrativas bíblicas (alguns postulam que fora das narrativas há apenas “ruído branco”), os teólogos pós-modernos propõem abandonar as ferramentas histórico-críticas bem usadas do modernismo. Em seu lugar, eles recomendam a leitura das Escrituras através de lentes novas e multidimensionais. Isto implica envolver-se numa conversa aberta com o material bíblico, aplicando uma hermenêutica da suspeita para desconstruir.
Como consequência de uma abordagem relativistas e desconstrutivista em relação às Escrituras, todas as doutrinas basilares do cristianismo protestante reformado caem por terra, começando com a doutrina de Deus.
A doutrina de Deus
O teólogo desconstrucionista Jean-Luc Marion descarta a ontoteologia (a teologia do ser), ao mesmo tempo que, paradoxalmente, assume a existência de Deus. Ele critica a ontoteologia porque acredita que a linguagem do ser limita o divino. Como resultado, ele rotula o Deus infinito, invisível e imutável do teísmo clássico como um ídolo conceitual. Como então alguém deveria conceber Deus? Como amor e dom superabundante. Marion qualifica, porém, que embora Deus se doe gratuitamente, o ser humano não pode dominar o dom. John Caputo concorda com a concepção antimetafísica de Deus de Marion e também adota a linguagem de excesso de Emmanuel Levinas para descrevê-lo. Ele emprega o termo impossível para Deus e conclui que embora os indivíduos possam experimentar o divino, eles não podem conhecê-lo: “Não sabemos em que acreditamos ou a quem oramos.”
A doutrina de Cristo
Mais importante ainda, estes teólogos compreendem a divindade de Cristo simbolicamente, não essencialmente. Mas o pós-modernismo teológico causa uma impressão ainda maior na doutrina da expiação. Vários estudiosos demonstram grave insatisfação com o modelo histórico e predominante de substituição penal. Joel Green e Mark Baker, em Recuperando o Escândalo da Cruz, defendem outros modelos válidos de expiação. A principal desvantagem da substituição penal é que ela associa Deus à violência de forma inaceitável. Esses estudiosos discerniriam mais cedo Deus trabalhando de forma não violenta através da cruz. René Girard classifica a ideia da morte sacrificial de Jesus como uma leitura errada dos evangelhos. Cristo não propiciou a ira de Deus, diz Girard; ele morreu uma morte não-sacrificial, “direcionada para a não violência, e nenhuma forma de ação mais eficaz poderia ser imaginada”. 12 Girard encontra concordância para a expiação não violenta em J. Denny Weaver, que rejeita a substituição penal alegando que ela equivale a para a abuso infantil. Weaver propõe que a “Narrativa Christus Victor” (“Cristo como Vencedor”) dá melhor sentido à morte de Cristo. No final, as teorias pós-modernas da cruz enquadram-se numa de duas categorias principais: Christus Victor ou a visão da influência moral. Estas teorias da expiação parecem eminentemente aceitáveis num contexto pós-moderno porque evitam todos os tipos de doutrinas desconfortáveis – desde o escândalo da particularidade (porquê somente Jesus).
Resposta
As Escrituras
Como cristãos bíblicos, defendemos que a Bíblia é inspirada por Deus, infalível, inerrante, autoritativa, suficiente, unificada, necessária, útil, singular em verdade e poderosa. (2Tm 3.16-17)
16 Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça;
17 a fim de que o homem de Deus tenha capacidade e pleno preparo para realizar toda boa obra.
As regras hermenêuticas
Acreditando que as Escrituras são inspiradas, devemos contudo procurar interpreta-las de forma correcta e adequada. A hermenêutica tem regras definidas e por si só daria uma série de palestras mas ficam aqui alguma directrizes. Seguimos o método gramático-histórico, que procura entender o sentido das palavras no seu contexto histórico original. Enquanto o pós-modernismo declara a morte do autor, afirmando que o que interessa é o que o leitor retira do texto, a partir da sua experiência bíblica, o método gramático-histórico procura entender qual o sentido original do texto segundo o autor no seu contexto histórico.
Para além disso, a interpretação tem que ser sempre centrada no Evangelho. A obra de Cristo, na Sua vida, morte, ressurreição, ascensão e sessão para perdão de pecados deve estar sempre presente na mente de quem interpreta pois o Evangelho é a mensagem central e tudo para o qual a Escritura aponta.
As Escrituras interpretam as Escrituras – isso significa, simplesmente, que as partes mais claras das Escrituras são usadas para interpretar as menos claras. Este princípio coloca um controle sobre o significado que limita o significado de qualquer texto àquele que se ajusta ao restante das Escrituras. Ou, dito de uma forma ligeiramente diferente, o significado de qualquer parte da Bíblia deve ser entendido no contexto da Bíblia como um todo. Desta forma, seguimos o exemplo dos escritores do Novo Testamento que compreenderam os textos da Bíblia no seu contexto histórico-redentor, relacionando-os com o objetivo bíblico final de cumprimento em Cristo e aplicando-os ao povo de Deus onde quer que estivesse.
A verdade de Deus é verdade eterna. Tal como Ele mesmo, esta verdade é a mesma “ontem, hoje e para sempre”. Esta verdade pode ser entendida com mais clareza ou abundância. Podemos aprender a compreende-la melhor e corrigir as nossa próprias percepções erroneas acerda dela, mas qualquer verdade que Deus tenha transmitido, assim deve permanecer para sempre, tão imutável quando o Seu próprio Ser.
Systematic Theology, Chapter III: Reason and Revelation, J. P. Boyce
Jesus como a Verdade encarnada
Testemunho pessoal de busca pela verdade absoluta, e ser encontrado por ela, o próprio Senhor Jesus Cristo.
A importância da confessionalidade
O Cristianismo sempre foi marcado por credos e confissões de pé, que procuram fundamentar a fé e orientar os crentes. Este prática do Cristianismo tem sido abandonada, muito por influência do pós-modernismo. Contudo, as confissões de fé são importantes.
O Credo Apostólico:
1. Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra;
2. E em Jesus Cristo, um só seu Filho (seu único Filho), Nosso Senhor,
3. Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem;
4. Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
5. Desceu ao reino dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia;
6. Subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
7. De onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo,
9. Na Santa Igreja Católica, na comunhão dos Santos,
10. Na remissão dos pecados,
11. Na ressurreição da carne,
12. Na vida eterna.
Conclusões finais
Onde a cultura afirma que podem haver várias verdades, nós afirmamos a Verdade – Jesus Cristo, tal como revelado nas Escritura, inspirada, infalível, inerrante, autoritativa, suficiente, unificada, necessária, útil, singular em verdade e poderosa.